O que os generais estão fazendo é, em ano de eleição, acenar para o mercado financeiro e se mostrarem como homens modernos e atualizados que podem guiar o país para as elites da qual fazem parte. Bolsonaro é apenas a marionete desses militares tradicionais que se apropriaram do Exército e que governam o Brasil.
Stefan Chamorro Bonow
Projeto publicizado pelas Forças Armadas nestes últimos dez dias do mês de maio é uma projeção de possível realidade apresentada para o Brasil na próxima década. Muito tem sido falado sobre ele e sobre o que o Exército supostamente pensa e deseja para o Brasil. Ao fazer isso, comete-se o erro de generalizações e se perde o foco sobre o mais relevante que nele está contido.
Projetar cenários que possam vir a ocorrer não deveria nos impressionar. Fazer isso é parte da função de planejar comportamentos aqui dentro e no exterior, visando soluções para possíveis problemas. Essas são funções básicas de qualquer instituição militar; é uma prática normal e esperada. Ocorre para evitar ameaças surpresas ao território de um país. Menos comum é uma força armada dar a visibilidade que está sendo dada com as ênfases mostradas e realçadas pela mídia tradicional capitalista.
Para começar, é importante considerar que as projeções sempre levam em consideração a formação ideológica de quem faz o exercício mental de pensar essas possibilidades apresentadas. Isto é, aquilo que os indivíduos estão imaginando que pode acontecer sempre acaba influenciado por aquilo que pensa ser certo e pelo que acredita como verdade histórica. Outra coisa que não se deve perder de vista é o nome exato das pessoas envolvidas e suas origens.
A oficialidade do Exército brasileiro (veja bem, não estou falando do Exército, mas de pessoas), em particular, guarda uma arrogância de origem por ter surgido junto de nobres portugueses. Por isso, há uma tendência entre muitos oficiais a se acharem superiores e sempre estarem certos. Ainda no período do Brasil Império, os nobres se concentraram na Marinha, enquanto os mais pobres tiveram acesso aos cursos para oficiais do Exército. Contudo, em pouco tempo, à medida em que a força armada se desenvolvia e aumentava seu grau de formação educacional, formaram uma identidade própria e ser oficial do Exército virou uma tradição familiar. Muitos sobrenomes se repetem há mais de um século e isso virou base de sustentação daquele espírito arrogante que antes era de nobreza. Isso faz toda a diferença. Essas famílias se situaram nos lugares de melhor possibilidade de ascensão social: próximos à Corte e à capital do país, o Rio de Janeiro, ou perto dos lugares de conflito, onde a possibilidade de vitória em batalha (pela proximidade de vizinhos “perigosos” como Argentina e Uruguai) rendia postos e benefícios, como o Rio Grande do Sul.
O motivo de dizer tudo isso é porque os idealizadores e veiculadores do tal Projeto Nação estão diretamente relacionados aos financiadores dele, quer dizer, os institutos General Villas Boas, Sagres e Federalista. Veremos que todos eles são membros de ilustres famílias militares do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. São eles, respectivamente, os generais Villas Boas (o tal do Twitter de 2018), Etchegoyen (primeiro comandante do GSI, recriado pelo governo Temer, e hoje ocupado pelo Gal. Augusto Heleno) e Rocha Paiva. O responsável por dar o tom político e institucional foi o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão (outro gaúcho de família histórica militar). Para saber um pouco mais sobre alguns desses indivíduos, leia aqui.
Como anteriormente dito, a projeção é parte da formação ideológica dos envolvidos. E que não se pense que seja representação política e manipulação a mando do Presidente-capitão Bolsonaro, que, aliás, esteve na academia militar na mesma década de 1970, junto à maioria dos generais políticos atuais, mas não é de nenhuma família tradicional militar e, por isso, jamais daria ordens a homens que também são hierarquicamente superiores. O plano é deles. Bolsonaro é a marionete desses militares tradicionais que se apropriaram do Exército e que governam o Brasil. O bolsonarismo existe no mundo civil, para nos iludir. No mundo militar, o que realmente comanda, ele é apenas o boneco porta-voz.
Basta ver que antes da eleição outro general da reserva já falava as mesmas coisas que Bolsonaro defendia e que coincide com o que aparece no Projeto de Nação. Em 2017, foi publicado o livro sobre relações internacionais e projeções de futuro O Improvável é Possível, do general Carlos Patrício Freitas Pereira, que também foi ex-secretário do governo estadual de Minas Gerais no governo Itamar Franco. No livro, que faz uma projeção de Brasil para o ano de 2040, já fica claro todo o ranço e crítica que vimos ser fartamente divulgados nos últimos anos, coisa desses milicos da elite, que passaram a carreira entre o Sul (ele também é gaúcho) e Sudeste, e algum tempo na Amazônia, para se convencerem de que esta terra é o quintal do Exército.
Fica exposto no livro a crítica às comunidades originárias indígenas, que “têm terra demais”, segundo a opinião do autor. O livro destila ódio à esquerda, mesmo à esquerda social-liberal e social-democrata que governou o Brasil nos últimos anos antes do golpe. Joga a culpa da repressão da ditadura na resistência, culpando-a pela passagem para o governo civil ter demorado. Acusa ONGs e o “globalismo” de estarem unidos para tomar a Amazônia, junto de potências estrangeiras. Crê na existência de marxismo cultural, que tomou conta do ensino e da mídia, inspirado em Gramsci (tudo coisa que parece ser de Olavo de Carvalho, mas que são antigas visões compartilhadas dentro do Exército).
O mesmo general Carlos Patrício Freitas Pereira, além de escrever coisas desse tipo desde o início dos anos 2000, foi comandante da Escola Superior de Guerra (ESG) no final da década de 1990. A ESG é um “ninho de chupins” criada em 1949, a mando dos EUA, com apoio financeiro e ajuda técnica de militares dos EUA que para cá vieram nos primeiros anos. Nessa época, alguns generais, liderados pelos oficiais que estiveram na Europa durante a Segunda Guerra, em comando junto ao Exército dos EUA, tinham dado um golpe derrubando Getúlio Vargas, em 1945, porque o ditador não interessava mais aos planos deles e dos gringos. Esses são os oficiais generais que passam pela ESG, um instituto de altos estudos e pesquisas, criado para pensar o campo da segurança e defesa nacional. Tem por finalidade, nas próprias palavras deles, retiradas de seu sítio eletrônico, “articular e consolidar conhecimentos voltados ao exercício das funções de assessoramento e planejamento da segurança nacional no âmbito do Ministério da Defesa”.
É dessa gente vendida e sem honra que vem o tal de “plano” do qual se fala hoje. Não são palavras do Exército Brasileiro, mas de uma cambada da elite que se apossou dele por tradição familiar. É essa gente que tem planos de se perpetuar no poder de todas as formas, como visto em outro texto do jornal. Eles não têm e nem querem ter relações reais com as pessoas que servem na instituição, com as pessoas humildes que servem lá todos os anos. Apenas querem fazer de conta que querem o melhor, mas trabalham para o centro do imperialismo enquanto garantem rendas polpudas para si e empregos para seus familiares. Eles falam em entregar o SUS e privatizar as instituições federais de ensino com a cobrança de mensalidades (a desculpa é cobrar de rico, mas rico mesmo estuda no exterior).
O que eles estão fazendo é, em ano de eleição, acenar para o mercado financeiro e se mostrarem como homens modernos e atualizados que podem guiar o país para as elites da qual fazem parte. Não devemos nos impressionar se algum general aparecer de última hora representando uma alternativa, uma terceira via, para concorrer à eleição presidencial em outubro. Estes militares – e seus amigos e capangas, em específico – querem se afirmar em definitivo. Desejam nos assustar porque possuem o controle das armas e ameaçam levar a guerra à política. Mas, na tentativa de sobreviver, o povo conhece a guerra muito melhor do que a política. Só quem tem motivo para se assustar são as facções rivais da elite econômica e política, que estão asseguradas no conforto das regras da democracia burguesa institucional que alguns, de maneira enganada, ainda teimam em chamar de democracia.