A GREVE GERAL DE 1917 E SUA IMPORTÂNCIA NA CONQUISTA DOS DIREITOS DA CLASSE TRABALHADORA

9 de julho de 2024

O nível de organização dos operários era admirável, e a coesão das lutas alcançava extrema maturidade com muita rapidez. Foi então, entre os dias 9 e 12 de julho que se deu o ponto alto da greve.

Wildally Souza – Comunicação Nacional da Unidade Popular


1917 foi um ano de extrema importância para os trabalhadores, operários e camponeses de todo o mundo. Com a crise mundial do capital, o evidenciamento das contradições do capitalismo, a ascensão do fascismo como solução da burguesia para solucionar a fragilidade econômica do seu sistema e a desestabilização das potências europeias, os trabalhadores do mundo se organizaram para dar um golpe efetivo no capitalismo. Nesse contexto, várias greves gerais eclodiram por melhores condições de vida e trabalho e o movimento operário se fortaleceu no mundo. Após a vitória dos comunistas russos contra o regime ditatorial Czarista e a tomada de poder pelos Sovietes operários, o mundo viu na organização popular maior esperança de uma sociedade mais justa. Contudo, para entendermos a Greve Geral de 1917, é preciso voltar um pouco no tempo e conhecer o contexto que levou aquela gloriosa e massiva paralisação.

 Mesmo antes de 1917, graças ao internacionalismo, a difusão do partido  bolchevique na Rússia Czarista e o avanço da construção e organização dos sindicatos, o operariado brasileiro já refletia sobre a exploração dos patrões, o agravamento das intensas jornadas de trabalho e o extermínio do povo pobre como política dos comitês dos grandes empresários. O resultado dessas reflexões, somado ao que tomavam conhecimento diariamente através dos jornais e dos programas de rádio, foram eventos decisivos para as sucessivas manifestações e greves no país. 

Ainda em 1903, encetada pela demissão das primeiras quatro mulheres a ingressarem no movimento operário do Recife, trabalhadoras das indústrias de cigarro pararam a produção, reivindicando o aumento dos salários, a igualdade de direitos e a diminuição da taxa semanal de higiene. Com a disciplina e organização das mulheres operárias, os homens foram obrigados a aderir a greve e lutar ao lado de suas companheiras por melhorias nas condições de trabalho na capital pernambucana. Em 1905, os trabalhadores dos portos de Santos e Rio de Janeiro, em resposta à negativa do setor da estiva de fornecer três turnos de serviço, paralisaram suas atividades nos cais exigindo mais segurança de trabalho. Nesse movimento, o proletariado santista e carioca, os gráficos de São Paulo e o Sindicato dos Estivadores da cidade do Rio de Janeiro aderiram à greve. Já em 1906 foi a vez dos ferroviários decretarem greve e realizarem uma paralisação massiva.

Assim, cresceu o número de operários e consequentemente suas lutas. No ano seguinte, dados do “Inquérito Industrial de 1907” mostram que existiram aproximadamente 150 mil operários no Brasil, sua maioria eram operadores das indústrias, mas havia grande concentração de operários em setores fundamentais como os ferroviários, trabalhadores da construção civil, portuários, além dos trabalhadores dos comércios e das casas alimentícias.

Foi nesse ano que Afonso Pena, então presidente do Brasil, eleito com o objetivo de representar os interesses da burguesia e da elite agrária do país – principalmente dos empresários da cana e do café no sul e da região mantiqueira de Minas Gerais – decretou a expulsão de todo imigrante estrangeiro que aderisse às greves e prisão para os brasileiros que fizesse o mesmo. Apesar do receio daqueles que vieram de outros países fugindo da fome e do fascismo, como franceses e alemães, a lei não obteve efeito nenhum entre os operários, intensificando a mobilização rumo a uma greve geral.

A partir desse momento, observando o crescimento do movimento grevista, os trabalhadores viram a necessidade de organizar suas lutas, foi então que começaram as agitações para a construção dos sindicatos. Em pouco tempo organizam os Sindicatos dos Pedreiros e Serventes, Carpinteiros, Pintores, Funileiros, Metalúrgicos, entre outros. Com isso, os trabalhadores criaram os espaços fundamentais para organizarem suas lutas e debaterem, com propostas efetivas, suas reivindicações. Nesse período, o Brasil via o movimento operário tomando forma e avançando diariamente no seio das indústrias e fábricas.

A SUPEREXPLORAÇÃO E A CARESTIA

Naquele tempo, o Brasil era comandado pela elite cafeeira que mantinha seus interesses econômicos concentrados majoritariamente nas mãos dos donos dos cafezais no sul de Minas e em São Paulo, representados por seus partidos republicanos que ditavam o que deveria acontecer em todo o país. Enquanto a elite mantinha seus privilégios, aqueles que produziam os alimentos e construíam as mansões dos seus patrões espremiam suas carteiras para conseguir comprar um saco de farinha de trigo e leite. Não tinham nenhum mínimo direito. Os trabalhadores rurais estavam inquietos e queriam usufruir do direito à terra e a comida digna, os trabalhadores do setor fabril viam seus empregos cada vez mais ameaçados com a chegada das grandes marcas de grife europeias. Além disso, os trabalhadores eram obrigados a conviver em condições insalubres, muitas vezes sem descanso semanal e sem férias remuneradas. As jornadas eram exaustivas e algumas chegavam a 16 horas. Mulheres e crianças eram tratadas como animais. O trabalho infantil era usado nas caldeiras, no corte da cana, no campo, nas pedreiras e nas fabricas de tecelagem. As mulheres lutavam contra o assédio sexual e os abusos sofridos dentros das fabricas pelos patrões e contra-mestres responsáveis pelas operações.

Com o acirramento dos conflitos internacionais e imperialistas veio a carestia, o desemprego e a fome. Trabalhadores se aglutinavam em pequenas casas operárias, famílias dividiam vielas e os trabalhadores do campo eram expulsos e obrigados a sair de suas terras e viver nos centros urbanos. Essa realidade, explica Lenin, “leva necessariamente à luta dos operários contra os patrões, e quando a produção se transforma numa produção em grande escala essa luta se converte necessariamente em luta grevista”. (LENIN, Vladimir, Sobre as Greves. 1899).

AS MULHERES ORGANIZAM A GREVE

É então que a classe operária começa a se organizar para lutar pelos seus direitos. As mulheres foram as precursoras desse movimento. Em março, se criou o Comitê Popular de Agitação contra a exploração das crianças e em em suas reuniões soavam o alerta sobre o perigo de graves acidentes e as denúncias contra as jornadas extenuantes a que os menores estavam sujeitos. Nos jornais e panfletos entregues à população eram comuns relatos como o caso do menino José, de 12 anos, trabalhador da fábrica de biscoitos A Fidelidade, que teve seu braço esmagado por maquinários fabris. A denúncia do desemprego também era constante e traziam palavras de ordem como “as máquinas tiram nosso sustento” e “menos máquinas e maior salário para os trabalhadores”. Trabalhadores se juntavam nas praças e na frente das fábricas em manifestações contra a fome, a inflação, a carestia e a baixa qualidade dos alimentos que chegavam em suas mesas. Toda e qualquer manifestação desse tipo eram fortemente reprimidas pela polícia patronal. Paralelo a tudo isso se organizavam as Uniões Gerais dos Trabalhadores, as ligas nos bairros e os Comitês de Luta Contra a Fome. As ligas dos bairros eram compostas majoritariamente por mulheres e trabalhadores de uma única fábrica e se reuniam em diferentes horários para que todos os operários pudessem contribuir com propostas para a construção coletiva das reivindicações.

“Pois bem, para não permitir que sejam reduzidos a essa tão extrema situação de penúria, os operários iniciam a mais encarniçada luta. Vendo que cada um deles por si só é absolutamente impotente e vive sob a ameaça de perecer sob o jugo do capital, os operários começam a erguer-se, juntos, contra seus patrões. Dão início às greves operárias” (LENIN, Vladimir. Sobre as Greves. 1899)

Abril e maio foram os meses em que os sindicatos já não tinham espaço para, por exemplo, uma plenária com todos os trabalhadores de suas categorias e constantemente se reuniam em barracões nas comunidades operárias. Cresciam as manifestações nas ruas. Os megafones que temos hoje eram os cartazes de ontem, as camisas com palavras de ordem eram as fardas das empresas, e a proposta central era unificar todas as categorias contra os patrões exploradores.

Após intensos debates nos locais de trabalho e nos bairros, os operários viram que era urgente a necessidade de uma greve geral. O Cotonifício Rodolfo Crespi, empresa têxtil paulistana que, em 1932 fabricava o fardamento dos soldados fascistas italianos, foi o palco que originou a greve geral de 1917.

Como resultado das reuniões das ligas dos bairros, no dia 9 de junho daquele ano, cerca de 400 operários, em sua maioria mulheres, paralisaram a produção têxtil da fábrica, exigindo redução da jornada de trabalho, aumento salarial entre 15 a 20%, e outras reivindicações. Com o passar dos dias, o exemplo de luta daquelas mulheres que lideravam o movimento, a manifestação começou a ganhar corpo e adesão de outros trabalhadores da região da Mooca, em São Paulo. A mídia e os jornais, que inicialmente não deram atenção às manifestações, passaram a noticiar em suas capas e programas de rádio que “mais de 2 mil trabalhadores fazem motim contra patrões” e mais tarde se viram obrigados a atualizar que 50 mil pessoas tinham aderido “ao movimento das mulheres do Cotonifício Crespi”. Na época, o município de São Paulo contava com pouco mais de 400 mil habitantes, ou seja, mais de 12,75% dos habitantes estavam em greve.

O clima de solidariedade entre as mais diversas categorias se intensificava e a greve geral era cada vez mais real. A elite, com medo da organização dos trabalhadores criminalizavam os operários e os jornais noticiavam as sangrentas batalhas entre aqueles que lutavam contra a exploração e a escravidão no trabalho e a polícia, que defendia os interesses dos patrões. Os bairros operários da Mooca e do Brás estavam tomados pelos trabalhadores com suas faixas, panfletos e jornais independentes com as reivindicações para a greve

O nível de organização dos operários era admirável, e a coesão das lutas alcançava extrema maturidade com muita rapidez. Criou-se o Comitê de Defesa Proletária, onde lideranças anarquistas e comunistas das mais diversas categorias se uniram para debater a responsabilidade das negociações em torno de uma pauta das reivindicações intermediada por uma comitiva de jornalistas.

Foi então, entre os dias 9 e 12 de julho que se deu o ponto alto da greve. Foi nesse meio tempo que o governo municipal decidiu se retirar da cidade após a morte, contabilizada oficialmente, de dois operários e uma criança, mortos pela polícia durante uma manifestação. Um deles era José Martinez, assassinado em 9 de julho. A revolta foi grande, a solidariedade imensa e a luta se tornou a esperança de liberdade.

No dia 11 de julho, milhares de pessoas acompanharam o enterro do sapateiro José Gimenez Martinez, um jovem militante anarquista espanhol, morto por uma unidade da cavalaria da polícia em umas das manifestações na frente da fábrica de cerveja da Antarctica. Logo a notícia se espalhou e a Greve Geral, movida de máxima solidariedade aos companheiros assassinados, ganhou adesão em outras cidades da federação, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Juiz de Fora, assim como a total adesão do interior paulista, principalmente as regiões metropolitanas de Campinas e Sorocaba. Também iniciava a luta dos operários no nordeste, começando por Pernambuco e se alastrando por Alagoas, Ceará e a Paraíba, atingindo a participação de mais de 70 mil pessoas.

Após o emocionante enterro de José Martinez, na noite de 11 de julho, os representantes das ligas operárias e das associações que compunham o Comitê de Defesa Proletária consultaram as organizações e se reuniram para debater as reivindicações da população, tais como fim da exploração do trabalho de menores de 14 anos e a proibição do trabalho noturno para menores de 18 anos; fim do trabalho noturno para mulheres; fim das demissões em represália à greve; a liberdade para os trabalhadores detidos por conta da greve; direito de atuação legal para os sindicatos e associações dos trabalhadores. Ainda reivindicavam com máxima urgência o aumento de 35% nos salários inferiores a cinco mil réis e de 25% para os mais elevados; única data para o pagamento dos salários (a cada 15 dias); garantia de trabalho permanente; jornada de oito horas e semana de trabalho de cinco dias e o pagamento de 50% em trabalhos com horas extras.

Dado a intensa mobilização, por quase um mês os operários decidiram que não iriam para suas fábricas até que seus direitos e reivindicações fossem atendidas pelos patrões exploradores.

Em São Paulo, já antes do final, a greve foi vitoriosa e se encerrou com todas as reivindicações acatadas através de uma negociação única entre estado, organizações trabalhistas e industriais. Em outros estados os trabalhadores só deixaram as ruas após acordos individuais entre os operários e os patrões. No nordeste, onde a repressão foi instaurada de forma sangrenta, alguns trabalhadores decidiram não voltar para as fábricas, desencadeando outra luta em setembro e outubro.

A CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA DA GREVE DE 1917 E SEUS ENSINAMENTOS

Grandes avanços nos direitos trabalhistas só foram conquistados a partir dessa vitoriosa greve. Temendo o fechamento das fábricas e a falência de suas enormes contas bancárias, os patrões foram obrigados a acatar o aumento do salário de todos os trabalhadores, a jornada de 8 horas diárias, com acréscimo de 50% nas horas extras, assim como a lei do sábado facultativo para o comércio e o direito de sindicalização para todos os trabalhadores e operários do campo ou da cidade. 
Ainda seriam muitas as linhas usadas aqui para apresentar os ensinamentos teóricos e práticos que a Greve Geral trouxe para o movimento operário brasileiro. Inúmeros quadros sindicais e revolucionários foram formados nesse processo, a elevação da consciência de classe dentre os operários se espalhou entre todas as categorias de labor no país e a juventude crescia com os relatos de seus pais que passaram de geração em geração a importância da luta popular na conquista dos direitos e da construção de uma sociedade mais justa acreditavam ser esse o verdadeiro caminho para acabar com o sistema da exploração dos mais pobres, o sistema capitalista.

Contudo, mesmo após mais de 100 anos dessa gloriosa greve, vemos que várias daquelas reivindicações ainda não foram efetivamente conquistadas. Os patrões continuam sugando até a última gota de sangue dos trabalhadores brasileiros, os sindicatos foram engolidos pelo caráter pelego dos conciliadores e traidores de sua classe, a repressão e criminalização dos movimentos sociais ainda é constante, os salários seguem baixíssimos, os direitos cada vez mais ameaçados. A falta de moradia e o desemprego, a fome e a carestia ainda assolam os lares brasileiros. As reformas tributárias mantém as injustiças e as reformas trabalhistas têm o objetivo de exterminar a classe trabalhadora.

Todas essas políticas nos mostram que a burguesia e o fascismo nunca cansaram de avançar seu projeto de extermínio do povo pobre, preto, periférico, das mulheres e da juventude. Já os partidos da social-democracia que apresentam suas figuraça como “salvadores da pátria”, em consequência das políticas de conciliação de classes, atuam como freio ao avanço das lutas das massas trabalhadoras. Preferem defender os interesses dos patrões e negociar demissões voluntárias no lugar de defender o direito à greve. O atual núcleo dirigente da APEOESP (PT/PCdoB) vende a luta dos professores para seus algozes fascistas, a CUT e a CTB convidam os inimigos do povo para confraternizar em datas históricas como foi o 1º de maio deste ano em São Paulo. Além disso, há mais de 30 anos a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) são usadas por esses grupos da esquerda hegemonica para burocratizar a luta dos estudantes e preferem acolher as reivindicações dos que promovem o genocídio da juventude brasileira e defendem a exploração do povo pobre, com por exemplo, o grupo de extrema direita chamado Movimento Brasil Livre (MBL) e o grupo de jovens fascistas, a União da Juventude e Liberdade (UJL), do que as reivinicações dos que exigem que essas entidades que tiveram papel central na derrubada da ditadura militar de 64, volte à luta ao lado do estudantes pobre e trabalhadores.

Reconhecer, defender e difundir o direito às greves deve ser um trabalho diário dos comunistas revolucionários do Brasil. Lênin aponta que devemos compreender e saber abordar as massas uma vez que se não compreendermos as massas não teremos condições de abordá-las corretamente. Com os ensinamentos da luta dos grevistas de 1917, devemos ter cada vez mais disciplina e vontade em organizar nosso povo para lutar contra os patrões sanguessugas e avançar no caminho da unificação dos trabalhadores, denunciando os crimes dos ricos contra os pobre, defendendo a solidariedade entre os operários, pelo fim da exploração do capital e caminhando juntos rumo à construção de uma sociedade sem fome, sem exploração e sem violência contra o povo pobre: a sociedade socialista.

A greve ensina os operários a compreenderem onde repousa a força dos patrões e onde a dos operários, ensina a pensarem não só em seu patrão e em seus companheiros mais próximos, mas em todos os patrões, em toda a classe capitalista e em toda a classe operária. Quando um patrão que acumulou milhões às custas do trabalho de várias gerações de operários não concede o mais modesto aumento de salário e inclusive tenta reduzi-lo ainda mais e, no caso de os operários oferecerem resistência, põe na rua milhares de famílias famintas, então os operários veem com clareza que toda a classe capitalista é inimiga de toda a classe operária e que os operários só podem confiar em si mesmos e em sua união. Acontece muitas vezes que um patrão procura enganar, a todo transe, os operários, apresentar-se diante deles como um benfeitor, encobrir a exploração de seus operários com uma dádiva insignificante qualquer, com qualquer promessa falaz. Cada greve sempre destroi de imediato este engano, mostrando aos operários que seu “benfeitor” é um lobo com pele de cordeiro”. (LENIN, Vladimir I. Sobre as Greves. 1899).

VIVA A GREVE GERAL DE 1917!
ABAIXO A REFORMA TRABALHISTA E O FASCISMO!